É conhecido o sermão milagroso de Santo Antônio aos peixes, em Rimini. Aproveitando o tema, o Padre Vieira utiliza o mesmo estratagema de Santo Antônio: pregar aos peixes alegoricamente, pregando realmente aos homens. Eis alguns trechos do exórdio do célebre sermão de Vieira:
“Vós, diz Cristo Senhor nosso, falando aos pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra, o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma coisa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem; ou porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si, e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes em vez de seguir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade?”
Lembremo-nos de que as palavras de Jesus “vós sois o sal da terra” é dirigida primeiramente aos ministros ordenados da Igreja, Papa, Bispos, sacerdotes e diáconos. Mas, também, ela se refere a todos os cristãos, como aquelas palavras “ide fazer discípulos entre todas as nações” (Mt 28,19). Assim, as reflexões do Padre Vieira atingem a todos os cristãos, quando reclama da corrupção existente, porque ou o sal não salga ou a terra não se deixa salgar. Se acontece com os pregadores oficiais, será que também não acontece com os cristãos leigos, também eles testemunhas, que creem numa doutrina, mas praticam outra? Que dizem uma coisa e fazem outra? Que são cristãos fervorosos nos domingos e pagãos durante a semana? É também do Padre Vieira a célebre frase: “Palavras sem exemplo são tiros sem balas”.
“Suposto, pois, que ou o sal não salgue, ou a terra não se deixe salgar, que se há de fazer a este sal, e que se há de fazer a esta terra? O que se há de fazer ao sal, que não salga, Cristo o disse logo: ‘Não vale nada, a não ser para ser jogado fora e pisado pelas pessoas’ (Mt 5, 13). Se o sal perder a substância e a virtude, e o pregador faltar à doutrina e ao exemplo, o que se lhe há de fazer é lança-lo fora como inútil, para que seja pisado de todos. Quem se atrevera a dizer tal coisa, se o mesmo Cristo a não pronunciara? Assim como não há quem seja mais digno de reverência e de ser posto sobre a cabeça, que o pregador, que ensina e faz o que deve, assim é merecedor de todo o desprezo, e de ser metido debaixo dos pés, o que com a palavra ou com a vida prega o contrário”.
Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney (RJ)
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